quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Histórias "Bem do seu Tamanho"?!

HISTÓRIAS “BEM DO SEU TAMANHO”?!


                                                                  Julice Martins de Campos *





Para o homem primitivo, as proezas físicas são uma fonte de poder, mas o conhecimento é uma fonte de poder mágico. Para ele, todo saber é um ´saber sagrado´, uma sabedoria esotérica capaz de obrar milagres, pois todo o conhecimento está diretamente ligado a própria ordem cósmica.

( J. Huizinga, Homlundes, 1938 in: Coelho, 2000)



PALAVRAS – CHAVES: Histórias infantis, crianças, transformações, ludicidade.




Este artigo tem como objetivo central, a busca de valores contemporâneos em consolidação com os valores tradicionais das histórias literárias infantis.

Se hoje existem histórias para contar isso deve-se a necessidade que o ser humano sente de narrar o que um dia viu ou o que hoje sente. Confeitada às vezes de muita fantasia as histórias encantam e despertam a imaginação de quem as lêem.

A literatura infantil hoje atende a um público bastante exigente. Voltada às necessidades desse público  escritores como Ana Maria Machado, Marina Colassanti, Ricardo Azevedo e vários outros autores contemporâneos, dão importantes contribuições escrevendo obras modernas com problemas e soluções que atendam os anseios da criança do século XXI.
Sabemos que a fantasia intrínseca na história nem sempre é tão pura quanto imaginamos. Ela muitas vezes refere-se a alguma realidade tais como, sentimentos, fatos, desejos e problemas humanos. A literatura infantil encontra-se coberta levemente por um amálgama entre o fantástico e o real, que pode servir de ponto inicial para pensar nos efeitos das histórias de vida do público alvo que são os eleitores modernos.
No interior da literatura direcionada ao público infantil, há um mundo repleto de mitos, lendas e contos de fadas. Nesse mundo literário o fictício pode se tornar real, proporcionando uma resposta convincente e ao mesmo tempo fantasiosa a fatos que a ciência jamais conseguiria explicar.
A literatura infantil sentindo a necessidade de inovar-se, começa a caminhar em busca das transformações. O período de 1920 – 1930 registrou um marco importante para as histórias infantis brasileiras. O escritor Monteiro lobato inaugurou um novo contexto literário, escrevendo de maneira inovadora para as crianças de todo país, uma série chamada ``Sítio do Pica – Pau amarelo``.
Essa Série, fez grande sucesso, porém nada mais transformador surgiu depois disso e os discípulos de Lobato, mesmo usando técnicas novas da escrita, apenas reforçaram os valores conservadores.

Estagnando – se na mesmice, a literatura infantil passou anos seguintes por tediosos momentos, criando na década de 40 – 50, um marasmo pedagógico no mundo encantado das crianças.

Porém, por intermédio dessa mesmice dos literatos, algo de novo se via obrigado a acontecer. Então, surge uma variada produção literária que, atenta as transformações em curso no âmbito cultural, literário em geral, evoluiu – se.

Acompanhando o processo de uma civilização tecnológica e respondendo as exigências de uma sociedade impelida pela rapidez das transformações, bem como pela necessidade de uma comunicação cada vez mais objetiva e veloz, os anos 70 assistiram ao lançamento de uma nova proposta literária que veio para transformar o livro infantil em um ``objeto novo``.
O objetivo era produzir uma linha de criação um tanto complexa, mas que visava dar uma forma concreta a esse modo de observar, analisar e construir o real, com o intuito de provocar nos leitores um olhar curioso com possibilidades de descobertas de coisas novas, que estão intimamente ligados ao nosso cotidiano.A perspectiva dessa transformação era de que o leitor e as histórias pudessem se interagir em harmonia.
A literatura infantil hoje, busca trabalhar a realidade social, trazendo para dentro dos textos infantis problemas da vida do homem contemporâneo. Embora ainda haja algumas narrativas em que a moral da história acabe por ser um horizonte fechado e enfatize a negatividade, o preconceito ou o fracasso do cotidiano, a grande maioria delas apontam para a esperança, inspiração e para a consciência da importância participativa dinâmica da vida.

Nessa nova literatura infantil é oferecida aos leitores uma multilinguagem intrínseca nas palavras, procurando difundir de maneira lúdica e simples os novos paradigmas da vanguarda literária.

No início do século XX fez – se um paralelo entre o paradigma tradicional com o paradigma emergente, um grande desafio que visava criar um novo, sem exonerar o velho que já reinava entre nós há muitos anos. Com essa nova linguagem literária, a escola entra como mecanismo de extrema importância para uma visão reflexiva atentando os alunos a essa recente descoberta do mundo encantado onde a imagem e a escrita contida nos livros passa a ser algo mágico e transformador.

Segundo Coelho: A verdadeira evolução de um povo se faz ao nível da mente, ao nível da consciência de mundo que cada um vai assimilando desde a infância (...) O caminho é a palavra. ( p. 15 )

Atribuímos aos livros e as palavras que os contém, a responsabilidade da consciência de mundo das crianças e dos jovens. A literatura infantil contemporânea, propõem um confronto entre os valores tradicionais, consolidados pela sociedade romântica do século XIX, e os valores novos , gerados em reação aos antigos, mas que ainda não foram equacionados em sistema.
Tal encontro, não visa o interesse de um sobrepor ao outro, mas sim adaptá – los a algo totalmente moderno, que tem como proposta a resolução da problemática do que restou das fantasias na cabeça das crianças nos tempos atuais, onde o vídeo game, os computadores e a internet buscam prevalecer sobre os livros, principalmente se estes, estiverem desatualizados e/ou desinformados.

Os livros infantis modernos devem procurar instigar os leitores a adicionar aos velhos conceitos, que possuem um padrão de obediência absoluta e dogmatismo, um sistema novo com busca de valores renovados e que estão presentes no século XXI. É bem verdade que as histórias tradicionais conservam ainda hoje o lúdico que encanta e faz sonhar leitores de todas as idades. apesar do conservadorismo a história da Cinderela por exemplo, continua em plena era moderna a fazer com que as jovens leitoras sonhem com o seu príncipe encantado.

Contudo, é preciso adequar as ações atribuídas as personagens dos livros infantis ao seu tempo, para que os conceitos intrínsecos na narrativa não se tornem ultrapassados e sem um sentido lógico. Até porque não caberia ao príncipe hoje, vir salvar a princesa das maldades da bruxa malvada, montado em um cavalo, isso demoraria demais. Por isso os cavalos foram substituídos, no desejo das ditas ``princesas modernas``, por carros práticos e velozes. Talvez para alguns conservadores, uma nova versão da história da Branca de Neve poderia descaracterizar o conto, fazendo com que o romantismo se perdesse no decorrer da escrita. Mas ainda é possível ser romântico na modernidade. As marcas textuais e as atitudes das personagens não precisam ser mudadas. Mas devem sim, serem reformuladas.

Temos na literatura contemporânea escritores inovadores, alguns destes, já citados aneriormente, como: Ruth Rocha, Ricardo Azevedo, Ziraldo, Sônia Junqueira, Ana Maria Machado, Marina Colassanti etc., que ao escrever histórias infantis, acabam por contribuir com essa literatura nova. Podemos hoje fazer um paralelo entre as histórias tradicionais com as modernas, comparando os valores antigos com os valores atuais, e levá – los para sala de aula para socializar as novas ideias com os alunos.

A exemplo desse paralelo temos a fábula tradicional ``O Lobo e o Cordeiro`` de La Fontaine e a contemporânea ``O Lobo e o Cordeiro`` de Monteiro Lobato; o mito tradicional ``Prometeu`` da Mitologia Grega e o mito contemporâneo ``Prometeu`` de Mary Shelley; o conto de fada tradicional ``Cinderela`` dos contos Clássicos de Ouro e o conto moderno ``Beijos mágicos`` da escritora Ana Maria Machado; o conto maravilhoso tradicional `´Alice no País das Maravilhas`` de Lewis Carrol e o contemporâneo ``Bem do Seu Tamanho``, também da escritora Ana Maria Machado , onde conta a história de Tipiti uma menina crítica e questionadora dos fatos em sua volta.

Numa conversa com seu pai em casa, ela questiona a posição da figura do homem nos afazeres domésticos. Assim, Tipiti diz : Serviço de homem dentro de casa é ficar sem fazer nada enquanto a mulher faz tudo (...) O homem sai de casa trabalha o dia todo (...) A mulher também, a mãe ajuda a plantar feijão na roça (...) traz roupa lavada (...) e agora está fazendo o bolo enquanto você está aí enrolando seu cigarro. (P. 12)
Percebe-se que a literatura infantil está voltada à tendências cujo aspectos são mais realistas:

 O cotidiano propõe situações radicais da vida moderna;

 O crítico sugere uma participação mais consciente;

 O lúdico busca incorporar na alegria e nos conflitos diários, aventuras e verdadeiras peraltagens, tudo de forma consciente dos problemas do homem moderno.

Costuma – se observar nas histórias infantis tradicionais, um mundo de efeitos e mais efeitos, um mundo de maravilhas. A princesa trabalha apenas em alguns afazeres domésticos, sofre nas mãos das pessoas malvadas sem indagar a sua situação sofredora. Não há questionamentos da mulher em relação a sua condição submissa. Elas vivem a espera de seu príncipe encantado que vez ou outra enfrenta um dragão ou uma bruxa malvada e que aparecem quase sempre nos últimos capítulos da história. E então, ele desce do seu lindo cavalo`` que é branco`` e que ganhou do seu pai ``rei`` e dá um beijo suave e muito rápido na princesa e vão viver felizes para sempre. Mas após passar a última página da história nada mais acontece e a felicidade acaba virando monotonia. Isso pode ser observado no livro ``O Fantástico Mistério de Feiurinha`` do escritor Pedro Bandeira que escreve de modo bem humorado, uma versão moderna das histórias de contos de fadas. Bandeira procura evidenciar aos leitores o que acontece com os príncipes e princesas após a página final do livro em que o narrador diz: - "E todos foram felizes para sempre"!

Nessa nova tendência literária os escritores do público infantil preocupa – se com a verossimilhança dos fatos que transcorrem em suas obras, buscando levar para os contos os anseios e conflitos da vida real.

O que se propõem aqui, não é rasgar ou guardar na gaveta de um armário bem lá no fundo, os livros de contos tradicionais. O intuito é de que com base no ``velho`` crie – se o ``novo``, cuja realidade consequente será nova, sem é claro, perder a essência, a curiosidade e o gosto pela leitura. A intenção é o de propôr que a criança interaja com o meio social puro e real, sem perder a ludicidade. É a partir daí que ouviremos falar de leitores críticos, grandes formadores de opinião. Pois se é verdade que o livro fornece condições para a compreensão do seu mundo interior, com certeza oferecerá também, condições para uma concepção autônoma e, portanto, crítica da vida exterior.


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*Profª. Esp. em L. Portuguesa e Linguística. Docente da Escola Est. D. Francisco de Aquino Corrêa, Dist. de Cangas – Poconé – MT.






REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS



BOSI, Alfredo. História Concisa da Literatura Brasileira. 43 ed. São Paulo:Cultrix,2006.



COELHO, Nelly Novaes. Literatura: arte, conhecimento e vida. São Paulo: Petrópolis, Ano: 2000.



MACHADO, Ana Maria. Bem do seu tamanho. Ed. Brasil – América ( EBAL ). RJ. Ano: 1980.

Ilustração de Gerson Conforto.

____________________. Literatura Comentada. São Paulo: Abril Educação, 1942.



MELO E SOUZA, Antonio Candido. A personagem do romance. In: “A personagem de ficção”.

2ª ed. SP: Perspectiva, 1970.



SACCONI, Luiz Antônio. Minidicionário da Língua portuguesa. Ed. Atual: SP. Ano: 1996.



TODOROV, T. Introdução ao Verossímil. In: “Poética da Prosa”. Lisboa: Ed. 70.1979.

( Original Francês, 1971 ).



FONTE: http://www.academia.org.br/cads/1/ana.htm

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